Um Pouco de mim...

Sou procuradora municipal, mestre e doutoranda.
Professora universitária , nas disciplinas de ética , direitos humanos: infância e juventude e direito indígena, direito constitucional e direito administrativo. Na pós (ADESG) lecionei Teoria do Estado .

Atuei como Conselheira na Ordem dos Advogados do Brasil , no período de 1995 a 2001, atuei como criadora e presidente da Comissão da Advocacia Pública, como membro da Comissão de Seleção e Prerrogativas, membro da Comissão de Ensino Jurídico e como membro da Comissão da Mulher Advogada todos da OAB/MS.

Sou mestre e doutoranda pela UNIMES.
Publiquei meu livro, sob o título : Os princípios constitucionais dos índios e o direito à diferença, face ao princípio da Dignidade da Pessoa Humana, pela Editora Almedina, Coimbra, Portugal.
Atuo como Palestrante em Direitos Humanos .
Meu maior qualificativo na vida é ser mãe do Nícolas .

quinta-feira, 14 de outubro de 2010

1-DISCURSO INICIO DA SEMANA DO INDIO NA OAB/MS

Boa noite a todos!!!

Temos a honra de recebe-los em nossa casa , O presidente, eu e todos os membros da COMISSÃO, na ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL , SECCIONAL DE MATO GROSSO DO SUL.
Devemos fazer um agradecimento público ao Presidente da OAB/MS Leonardo Avelino Duarte, por nos permitir com a chancela da OAB, realizarmos aqui um importante debate sobre os Direitos Indígenas, permitindo mostrar a sociedade a importância da diversidade e do estudo dos DIREITOS HUMANOS, mantendo a tradição da OAB, que sempre conduziu o bastão de todas as lutas sociais que buscam a DIGNIDADE DO SER HUMANO.
O Direito Indígena , como ramo autônomo do Direito , ramo do Direito Público, com um viés de Direito Internacional dos Direitos Humanos e no Direito Constitucional merece ser estudo com profundidade..
Estamos inseridos numa história de luta de interesses em nosso Estado , mas a nossa preocupação na COMISSÃO ESPECIAL DE DIREITO INDIGENA é a de fomentar o estudo e o debate sobre o Direito Indígena, com todos os ramos da sociedade , na busca do entendimento maduro e harmonioso e da paz social .
Não se trata de uma comissão romântica, mas que tem um projeto longo , de três anos, com temas pontuais, muitas vezes, desconhecidos, mas que incitarão a busca do conhecimento da matéria e do diálogo amplo.
Obviamente que a figura mais importante do Direito Indígena é e deve ser sempre o próprio indígena personificado como povos indígenas e que são os protagonistas da sua própria história .Daremos apenas a nossa energia e solidariedade, como observadores da sua causa.
O reconhecimento da sociedade à forma de vida, à língua , e aos costumes , bem como à sua autodeterminação dos povos indígenas são o mote da comissão , através do respeito e da busca da dignidade.
Por isso, os temários foram escolhidos com muito cuidado , para que possamos mostrar a história de cada personalidade da nossa história mais recente, juntos e separadamente
na construção de um maior conhecimento e reconhecimento de sua cultura

Teremos hoje AILTON KRENAK, e depois MARCOS TERENA , EDNA GUARANI, e transmitiremos o premiado filme TERRA VERMELHA , que conta um pouco da história recente.

Afinal, “somos todos iguais na essência fundante de sermos todos seres humanos, e ser humano é a raiz de todos os direitos que se pode reivndicar e reconhecer.”.
E ainda, segundo acepção de Hannah Arendt, os direitos humanos não são apenas um dado, mas um construir e reconstruir, desconstruir e construir de novo.
Esperamos , nesta COMISSÃO , prestar a nossa contribuição para a construção de uma sociedade mais justa, fraterna e solidária, sabendo entender o direito `a alteridade e à diferença, atuando como operadores do direito e como cidadãos.

2-ARTIGO EM COMUM COM TATIANA SOBRE AS NOSSAS IDAS AO FORUM DA ONU SOBRE DIREITOS DOS POVOS INDIGENAS

Em primeiro lugar, cumpre ressaltar os trabalhos anteriores , em que participamos Drª Tatiana e eu do FORUM PERMANENTE DA ONU SOBRE OS DIREITOS INDIGENAS, na condição de observadoras, por nosso trabalho acadêmico e de apoio à causa, reconhecidos pelo ITC, presidido por Marcos Terena, e por CARTA CONVITE DA ONU, com sede em Nova York.
Estivemos nas últimas sessões : quinta sessão de 15 a 26 de maio de 2006 sob o tema :
“O DESENVOLVIMENTO DO MILENIO E OS POVOS INDIGENAS: REDEFININDO OS OBJETIVOS”
sexta sessão de 14 a 25 de maio de 2007 ,sob o tema: “TERRITÓRIOS, TERRAS E RECURSOS NATURAIS”
sétima sessão de 21 de abril a 2 de maio de 2008, sob o tema:” AS MUDANÇAS CLIMÁTICAS . A DIVERSIDADE BIOCULTURAL E SUBSISTÊNCIA: O PAPEL DE LIDERANÇA DOS POVOS INDIGENAS E OS NOVOS DESAFIOS”,
oitava sessão de 18 a 19 de maio de 2009 sob o tema :’IMPLEMENTAÇÃO DA DECLARAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS SOBRE DIREITOS DOS POVOS INDIGENAS
, nona sessão , de 19 a 30 de abril de 2010, sob o tema : “ O DESENVOLVIMENTO DOS POVOS INDIGENAS E QUESTÕES DE CULTURA E IDENTIDADE; artigos 3° e 23° da DECLARAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS SOBRE OS DIREITOS DOS POVOS INDIGENAS”.
Drª Tatiana participa desde a quinta sessão e eu participo desde a sexta, respectivamente.
Observamos, ao longo desses anos uma evolução do DIREITO INDIGENA, que teve o seu ápice com a afirmação de apoio de mais de 143 países que ratificaram a DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS DOS POVOS INDIGENAS, declarada pela ONU , no dia 13 de setembro de 2007, após mais de uma décadas de luta, graças ao espírito incansável dos povos indígenas, por respeito à sua história e à luta de seus ancestrais.
Observamos também, a abrangência da preocupação com a”PACHA MAMA ou MÃE TERRA”, por parte dos povos indígenas do mundo, que sabem que ela pertence a todos nós e devemos preservar o ECOSSISTEMA e a BIODIVERSIDADE para as futuras gerações. Questões como a mudança climática já havia sido discutido pelos povos indígenas no FORUM PERMANENTE, na sétima sessão, no ano de 2008.Hoje o Brasil começa a sofrer desses males e a entender o que isso significa, haja vista o que vem ocorrendo no Nordeste atualmente, com enchentes que parecem “tsunames”.
Mas a questão crucial que foi tema desta nona sessão foi a do desenvolvimento com identidade cultural, elencados nos artigos 3°, 23 e 32 respectivamente, da DECLARAÇÃO UNIVERSAL DE DIREITOS DOS POVOS INDIGENAS, vejamos:
Artigo 3°:
“Os povos indígenas têm direito à livre determinação. Em
virtude desse direito, determinam livremente a sua condição
política e perseguem livremente seu desenvolvimento
econômico, social e cultural”.


Artigo 23:
“Os povos indígenas têm direitos a determinar e a
elaborar prioridades e estratégias para o exercício de
seu desenvolvimento. Em particular, os povos indígenas
têm direitos a participar ativamente na elaboração e
determinação dos programas de saúde, moradia e demais
programas econômicos e sociais, que os sirvam e, que os
possibilitem, a administrar seus programas mediante suas
próprias instituições.”
Art 32:
“1-Os povos indígenas tem o direito de determinar e de elaborar as prioridades e estratégias para o desenvolvimento ou a utilização de suas terras ou teritorios e outros recursos(...)”
Esses artigos tratam da autodeterminação dos povos indígenas, tema tão temido pelos Estados Nacionais , que temem esta condição , que é um direito inalienável dos povos indígenas , que devem ter o seu modo próprio de vida, de costumes, de cultura, enfim do seu patrimônio e podem viver como melhor lhes aprouver. A condição de povos com autodeterminação não fere a soberania dos Estados, apenas reconhece os direitos originários desses povos. E mais,cabe aos povos indígenas participarem de toda política pública e ter acesso e consulta à todas as discussões, pois trata-se do exercício da sua cidadania determinar a sua própria existência e a forma como deseja viver.
O desenvolvimento econômico, na sociedade capitalista, sempre foi desigual e tem como meta o acúmulo de capital e o lucro a qualquer preço. Obviamente, os povos indígenas, sofrem , como todos nós , por viverem num mundo em que o desenvolvimento econômico é maior do que o desenvolvimento social, o que traz ainda mais desigualdades. Ocorre, que hoje, o índio vive o momento do protagonismo da sua história e sabe o seu lugar no mundo. Falamos isso , porque observamos o seu posicionamento quando falam das suas questões na ONU, com propriedade, com conhecimento e com muita responsabilidade.
Hoje, se fala na etnossustentabilidade, no etnodesenvolvimento, pois os povos indígenas compreenderam que vivem e sobrevivem na sociedade capitalista e querem o seu lugar no mundo, reconhecidos como habitantes originários, com direitos e deveres.Por isso , foi discutido este tema , pois os povos querem resguardar também o seu habitat, a natureza em todas as suas formas. Para os indígenas, pode existir DESENVOLVIMENTO, COM IDENTIDADE CULTURAL , E COM A MANUTENÇÃO DO ECOSSISTEMA. A cosmovisão indígena contempla o desenvolvimento como pertencentes à mãe terra, com a preocupação com a conservação dos biomas e biotas.
Os discursos de diversos povos indígenas, da RUSSIA, do CANADÁ, do PERU, do BRASIL foram neste sentido: que se pode pensar no desenvolvimento mantendo seu patrimônio cultural e o seu habitat natural que é a Mãe Terra. Mais uma vez, devemos aprender com eles como devemos atingir um patamar de desenvolvimento , preservando o “bom viver” e o ecossistema.
Falaremos dos discursos de Ban ki-Moon e Carlos Mamani , na abertura da nona sessão que são, respectivamente, Presidente da Assembléia Geral da ONU e Presidente da Nona Sessão do FORUM DA ONU.
Ban-kiMoon falou da importância de se proteger e apoiar os direitos humanos , as liberdades fundamentais dos povos indígenas, bem como o direito de prosseguir na busca do seu próprio desenvolvimento social e econômico.Afirmou ainda que os povos indígenas tem um lugar único na comunidade global. Atribuiu ainda a importância da Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas aprovada em 13 de setembro de 2007, em que todos resolveram avançar juntos em prol dos direitos humanos, com justiça para todos . O tema deste ano versa sobre o desenvolvimento e declara em seu pronunciamento a importância do desenvolvimento que seja sustentado pelos valores da reciprocidade, solidariedade e coletividade. E mais, que este desenvolvimento deve permitir o direito dos povos indígenas à autodeterminação, com tomada de decisões numa base de igualdade, respeitando os valores dos povos indígenas , as suas tradições e seus saberes. Relata Ban Ki-moon que o relatório feito pela ONU no Brasil, que percorreu cinco estados da FEDERAÇÃO, como Mato Grosso do Sul, informado por James Anaya tem estatísticas alarmantes, como níveis de pobreza, problemas de saúde, crime e violações dos direitos humanos em todo o mundo.
E concluo este breve relato o discurso do Secretário_Geral Ban Ki-Moon na cerimônia inaugural da nona sessão do FORUM PERMANENTE:
“O SECRETÁRIO-GERAL
-
OBSERVAÇÕES Na abertura da sessão NONA DO
NAÇÕES UNIDAS Fórum Permanente sobre Assuntos Indígenas
Nova York, 19 abr 2010


Sua Excelência o Senhor Presidente da Assembleia Geral,
Sábios distintos,
Distintos representantes dos Povos Indígenas, Organizações,
Excelências,
Senhoras e senhores,

É um grande prazer recebê-lo nesta Nona Sessão do Fórum Permanente das Nações Unidas sobre Questões Indígenas.

Muitos de vocês viajaram longas distâncias para estar aqui hoje. Obrigado.

Os povos indígenas vivem muitas vezes em lugares mais isolados do mundo - desde o Árctico para o cerrado Africano.

Mas as Nações Unidas está trabalhando para se certificar de que os povos indígenas em si não são isolados.

Você tem um lugar único na comunidade global. Está completa e igual membros da família das Nações Unidas.

E vamos continuar a apoiar e proteger seus direitos humanos e liberdades fundamentais, bem como o seu direito de buscar o desenvolvimento social e econômico.

Eu atribuo grande importância para a Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas, aprovada em setembro de 2007.

Nesse documento histórico, os Estados-Membros da ONU e os povos indígenas tentaram conciliar com suas histórias dolorosas e resolveram avançar juntos em prol dos direitos humanos, justiça e desenvolvimento para todos.

Quero parabenizá-lo mais uma vez sobre essa conquista.


Senhoras e Senhores Deputados,

Fizemos progressos significativos em questões indígenas na Organização das Nações Unidas sobre os últimos quarenta anos.

Além da Declaração sobre os Direitos dos Povos Indígenas, outras realizações notáveis incluem a criação deste Fórum Permanente ... o mandato do Relator Especial ... e do Mecanismo de Peritos sobre os Direitos dos Povos Indígenas.
questões indígenas são mais proeminentes na agenda internacional do que nunca.
E ainda ... não podemos sequer começar a se contentar com o nosso progresso.

O primeiro relatório das Nações Unidas sobre o Estado dos Povos Indígenas do Mundo dos Povos, em Janeiro de definir algumas estatísticas alarmantes.

Os povos indígenas sofrem altos níveis de pobreza, problemas de saúde, crime e violações dos direitos humanos em todo o mundo.

Vocês compõem cerca de cinco por cento da população mundial - mas um terço dos mais pobres do mundo.

Em alguns países, um indígena é 600 vezes mais chances de tuberculose contrato que a população geral.

Em outros, uma criança indígena pode esperar que morra de vinte anos mais cedo do que seus compatriotas não-nativas.

Todos os dias, as comunidades indígenas enfrentam problemas de violência, a brutalidade ea desapropriação.

culturas indígenas, línguas e modos de vida estão sob a constante ameaça das alterações climáticas, os conflitos armados, a falta de oportunidades educacionais e discriminação.

Noutros países, suas culturas estão sendo distorcidos, mercantilizada e utilizada para gerar lucros, que não beneficiam os indígenas, e pode até levar a mal.

Isto não só é uma tragédia para os povos indígenas.

É uma tragédia para o mundo inteiro.

Lenta mas seguramente, as pessoas estão começando a compreender que o bem-estar e sustentabilidade dos povos indígenas questões que dizem respeito a todos nós.

A diversidade é uma força - em culturas e línguas, assim como é nos ecossistemas.

A perda insubstituível de práticas culturais e dos meios de expressão artística que nos torna todos mais pobres, onde pode encontrar as nossas raízes.

Segundo as previsões actuais, noventa por cento de todas as línguas podem desaparecer dentro de 100 anos. A perda dessas línguas corrói um componente essencial da identidade de um grupo.

É por isso que o tema especial de seu fórum deste ano, "Desenvolvimento de Cultura e Identidade", é particularmente apropriado. Ele destaca a necessidade de ofício medidas de política que promovam o desenvolvimento, respeitando valores de povos indígenas e tradições.

Precisamos de um desenvolvimento que seja sustentado pelos valores da reciprocidade, a solidariedade ea coletividade. E precisamos de desenvolvimento que permite que os povos indígenas para exercer o seu direito à autodeterminação através da participação na tomada de decisões numa base de igualdade.

Senhoras e senhores,

As Nações Unidas continuarão a apoiá-lo.

Apelo a todos os governos, povos indígenas, o sistema das Nações Unidas e todos os outros parceiros para garantir que a visão por trás da Declaração sobre os Direitos dos Povos Indígenas se torne uma realidade para todos.

Desejo-lhe um fórum de muito sucesso.

Obrigado.”
(Discurso na abertura da sessão da ONU de 2010, pelo Sr Secretário-Geral Ban Ki-Moon)

Já Carlos Mamami , que foi eleito PRESIDENTE DA NONA SESSÃO DO FORUM PERMANENTE, faz um relato sobre o tema do desenvolvimento com identidade cultural e nos informa que esta é uma boa oportunidade para os povos indígenas , os governos, as Nações Unidas e a sociedade civil discutir o que se entende por desenvolvimento com cultura e identidade, e como ele é diferente dos modelos de desenvolvimento atual. E mais :como o respeito dos povos indígenas para com a “Mãe Terra” poderia ser um exemplo para este desafio global. Enfatizou que a segunda década definida pela ONU aos povos indígenas deveria redefinir o desenvolvimento a partir de uma visão de equidade e de cultura atreladas à idéia de desenvolvimento, ou seja,desenvolvimento e identidade cultural. .
Devemos destacar agora a participação de James Cameron com o filme AVATAR , que se tornou o mais novo “defensor das florestas do Planeta”, que esteve na transmissão do filme especiamente para os povos indígenas e participantes do FORUM PERMANENTE e em seguida, tal como fizemos na nossa SEMANA JURIDICA após o filme TERRA VERMELHA , discutiu em forma de mesa redonda ,sobre a situação dos povos indígenas no mundo e toda a história para se chegar ao filme AVATAR. O filme foi planejado durante 15 anos , e não poderia ser filmado antes porque não existiam tecnologias apropriadas como atualmente.

Explicou que teve o apoio de estudos de antropólogos brasileiros ao longo desses anos e que o objetivo maior do trabalho foi de mostrar ao homem que ele deve despertar para as barbaridades que vem praticando contra a natureza e o ecossistema . E que devemos parar e pensar, se quisermos pensar em um futuro melhor e ainda com recursos naturais, como a floresta AMAZÔNICA.
Enfim, a natureza, os direitos humanos e os direitos dos povos indígenas são mais do que atuais e devem merecer o nosso respeito e o nosso estudo. Muito obrigada!!!
Samia e Tatiana

3-ARTIGO

A DECLARAÇÃO UNIVERSAL DE DIREITOS DOS POVOS INDÍGENAS E A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA.

THE UNITED NATIONS DECLARATION ON THE RIGHTS OF INDIGENOUS PEOPLES AND THE HUMAN DIGNITY


Samia Roges Jordy Barbieri
samiastar@terra.com.br


Sumário:Introdução.1.O Princípio Constitucional da Dignidade da Pessoa Humana e os Povos Indígenas; 2. O Direito à diferença e o Princípio da Igualdade; 3.O Reconhecimento da Declaração dos Direitos Indígenas como pressuposto da Dignidade da Pessoa Humana.Bibliografia.

Resumo : O presente trabalho foi o resultado do Estudo dos Princípios Constitucionais, em particular o da Dignidade da Pessoa Humana, relacionado aos índios, como pressuposto do reconhecimento do Estado Democrático de Direito e da Igualdade entre os Povos, respeitando-se a diversidade e a diferença. E, sobretudo, o de respeitar o direito do índio de ser e viver como tal. Abordamos desde a chegada do colonizador, com o maniqueísmo do “bom“ e “mau“ selvagem, bem como a participação do indígena no direito constitucional até o reconhecimento no direito internacional, como sujeito de direitos. Já o desenvolvimento engloba os Direitos Humanos Universais e Fundamentais, Igualdade entre os Povos e respeito à alteridade, autodeterminação e direito à diferença, enfocando a emergência e a visibilidade dos povos indígenas, no cenário internacional, desde a chegada do cacique iroquês em Genebra, em 1923, que discursou e mudou os paradigmas, para a luta resistente e árdua, dos habitantes originários da Terra. Hoje os índios são advogados, médicos, ativistas políticos e não deixam de ser índios, como elemento e traço forte de suas raízes e tradições, rumo ao futuro mais justo, solidário e fraterno.

Palavras-chave: Dignidade da Pessoa Humana.Povos Indígenas.Reconhecimento do Estado Democrático de Direito. Declaração Universal ( Organização das Nações Unidas ) sobre Direitos dos Povos Indígenas


Abstract : This work was the result of Constitutional Principles Studies, in particular of the Human Dignity, related to Indians, as presupposed of recognition of the Democratic State of Right and of Equality between People, respecting the diversity and the difference. And, above all, respecting the Indian right of being and living as such. We approach since the arrival of the colonizer, with the “maniqueísm” of “good” and “bad” savage, as well as the participation of the aboriginal in Constitutional Law until the recognition in International Law, as citizen of rights. Already the development embraces the Universal and Basic Human Rights, Equality between People and respect to diversity, self-determination and right to the difference, focusing the emergency and visibility of Indians nations in the international scene, since the arrival of “iroquian” chieftain in Geneva, in 1923, that made a speech and changed the paradigms, to the resistant and arduous fight of land’s primitive inhabitants. Nowadays, Indians are lawyers, doctors, politic activists and they are still Indians, with strong element and trait of their basis and traditions, in direction to a fairer future, solidary and fraternal.
Key-words: Human Dignity. Indigenous Peoples.Recognition of the Democratic State of Right. United Nations Declaration on the rights of Indigenous Peoples.

INTRODUÇÃO

Em primeiro lugar, cumpre salientar que os índios tem para mim a importância maior por terem sido os habitantes primitivos da nossa terra, onde foram dizimados, catequizados, queimados, humilhados, sem qualquer preocupação com a sua cultura, sua enorme diversidade, a importância da oralidade, que de geração em geração tenta passar a sua história, de forma sofrida e imprensada pela "cultura" dita civilizada e, porém, desumana, que não respeita o direito à alteridade.

Falar da etnia indígena é falar de respeito pelo ser humano, por respeito aos idosos, que pela cultura da oralidade tem importância capital; é falar de respeito ao meio ambiente e ao ecossistema e sua preservação, é falar do amor do homem à sua mulher, quando parece "parir" , "chocando a mulher e a cria", é falar do cuidado da índia com seu filho, que não permite se desgrudar por nenhum minuto, colado ao seu peito em tempo integral, de "mochila" por eles inventada e copiada por todos nós, é falar da dança e da música, com muita pintura e bugingangas transcedentais. Fortes esses índios que resistem à dizimação de sua etnia e de sua gente, bravos resistentes, a vocês o nosso estudo, não como incapazes, mas como traço da nossa própria história e identidade.

O Direito brasileiro sempre tentou tutelar o indígena, entendendo-o como relativamente incapaz para os atos da vida civil, tentando sempre a política do integracionismo, como forma de sociabilizar o índio na nossa cultura, o que foi, por muito tempo, um afronta à sua cultura, tão rica, pela sua diversidade étnica e cultural, seus hábitos, e pior de tudo, provocando ao longo dos anos a vida cultural dos índios em verdadeiro desespero, por terem sido aculturados, forçosamente, impingidos ao confinamento, sem terra para plantar e pescar, atropelados pelo garimpo e toda ganância do homem.

Mesmo assim, o índio responde com a sua resistência, preservando suas raízes, lutando e ainda preservando o ecossistema, mesmo dominado e amordaçado, por políticas públicas que não buscam apaziguar seus interesses, que até hoje não promoveram, satisfatoriamente, a demarcação e definição de seus territórios, não podendo cultivar seu habitat. Essa falta do Estado, tem levado muitos índios a cometerem suicídio, como única forma de se libertarem do "status quo" que se encontram, humilhados, aculturados, impotentes.

O que parece perdido, tem sido resgatado pelos Direitos Humanos e pelo Direito Internacional, que tem vislumbrado, felizmente, e enquanto há tempo, o resgate para o índio do seu direito de preservação e autodeterminação, como condição de garantir a sua dignidade como ser humano.

O Direito , por ser dinâmico, tem compreendido a emergência da questão indígena e tem dado voz à sua organização e resistência, através da Convenção n°107 e também da Convenção n°169 da OIT, lembrando o contido nos Termos da Declaração Universal dos Direitos Humanos, do Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e dos numerosos instrumentos internacionais sobre a prevenção da discriminação, procurando manter sua forma própria e intuitiva de vida, de acordo com seus hábitos e costumes e à sua própria alteridade e diferença, que acredito deva ser respeitado e garantido a todo custo, como forma do resgate do Princípio da Dignidade da Pessoa Humana e da Igualdade, dois pilares e vetores de todo ordenamento jurídico constitucional do Estado Democrático de Direito, que devem garantir a segurança e estabilidade de todo o sistema legal.

1. O PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E OS POVOS INDÍGENAS

Tratar do Princípio da Dignidade da Pessoa Humana é tratar da sua inserção dentro de um Estado Democrático de Direito, que constitui o fundamento do nosso sistema constitucional e da nossa organização como Estado Federativo, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade, a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, como observamos no preâmbulo da nossa Constituição, que muito bem explicita os anseios da sociedade e também a busca da segurança jurídica.

J.J. Gomes Canotilho muito bem explicita este conceito, ao tratar em sua obra, da revisão da Constituição Portuguesa de 1982, e da terminologia nela inserida sobre o Estado de Direito, acompanhando o pensamento de doutrinadores como Jorge Miranda, Vital Moreira, Reis Novaes e outros. Vejamos:


"A recusa da caracterização do Estado como um Estado de direito assentou no caráter ambivalente e equívoco da idéia de Estado de Direito. Uns, já notara Engels, pensavam no Estado de Direito como ‘expressão idealizada da sociedade burguesa’; outros julgavam que, através da idéia de Estado de Direito conseguiriam travar a tendência rasgadamente conformadora (social e econômica) do Estado; outros, ainda, não se afastavam muito de concepções místicas, vendo no Estado de Direito a manifestação da ‘idéia fundamental do direito, que está inscrita na alma’." ( E. v .HIPPEL ).


É historicamente correcto afirmar que a idéia de Estado de direito serviu para acentuar unilateralmente a dimensão burguesa de defesa da esfera jurídico-patrimonial dos cidadãos. Só que, uma coisa é a monodimensionalidade liberal do Estado de Direito e a idéia inaceitável de um "Estado de Direito em si", e outra, a idéia de um Estado de Direito intimamente ligada aos princípios da democracia e da socialidade. Nessa perspectiva, a idéia de Estado de Direito pode transportar um ideário progressista. A mundividência constitucional que hoje se colhe vem demonstrar isto mesmo: a utilização do princípio do Estado de Direito, não como "cobertura" de uma forma conservadora de domínio mas como princípio constitutivo da juridicidade estadual democrática e social (ABENDROTH) .



Historicamente, o conceito de Estado Democrático de Direito, nas lições do mestre Canotilho, seria oriundo da Teoria do Estado do liberalismo e fortemente influenciada pelas concepções jusracionalistas e, fortemente ligadas à idéia de Legalidade e à idéia da realização da Justiça.

Podemos observar pelo pensamento do autor e trazendo a discussão ao nosso ordenamento jurídico, é que o Estado Democrático de Direito traria em seu conceito todo o ideário de justiça, igualdade e dignidade, com um mínimo normativo capaz de fundamentar os direitos e pretensões da sociedade e também de princípios, também formais do Estado de Direito que são: soberania, a cidadania, Dignidade da Pessoa Humana, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, o pluralismo político encartados no mandamento constitucional.

A nosso ver, quando o legislador constitucional insere além do Preâmbulo, mas também no seu artigo primeiro tais conceitos, busca a solidificação do ideal de Justiça e da preocupação com a condição social e de Dignidade Humana, ligada, a meu ver, aos princípios da democracia e de uma sociedade mais justa e progressista, procurando sempre a segurança jurídica e a solução de conflitos, observando sempre o Princípio da Legalidade.

Temos aí inserido, como fundamento da República Federativa do Brasil, constituindo-se como elemento balizador do Estado Democrático de Direito, a Dignidade da Pessoa Humana, que seria o valor que concederia unidade aos direitos e garantias fundamentais, inerente à personalidade humana . Segundo o autor citado, teríamos ainda que esse fundamento afastaria a idéia de predomínio das concepções transpessoalistas de Estado e nação, em detrimento da liberdade individual.

A dignidade, como valor moral e, também espiritual, seria um mínimo indispensável e invulnerável de valores que devem ser respeitados pela sociedade, tendo o ser humano o direito à autodeterminação e à liberdade na condução da própria vida, devendo ser protegido pelo Direito e suas normas, como medida de reconhecimento da própria essência e da condição de ser humano.

O importante de todos esses conceitos e a nossa eterna busca deve ser no sentido da transposição do ideário de Justiça, para a nossa vida cotidiana, principalmente para a imensa massa de excluídos da sociedade e também das minorias discriminadas, pois ambos sofrem da falta efetiva de um verdadeiro Estado Democrático de Direito, no campo material, onde grassam o descuido e o descaso.

No dizer de Canotilho, a densificação dos direitos, liberdades e garantias seria mais fácil do que a determinação do sentido específico do enunciado "Dignidade da Pessoa Humana". E afirma ainda que a raiz antropológica reconduziria o homem como pessoa, cidadão, como trabalhador e como administrado. Adverte também, em sua análise, quanto à Dignidade da Pessoa Humana, que a literatura mais recente procuraria evitar um conceito mais "fixista", filosoficamente sobrecarregado (Dignidade Humana em sentido "cristão e/ou cristológico", em sentido "humanista-iluminista", em sentido, “marxista", em sentido "sistêmico", em sentido "behaviorista" .

Dessa forma, J. J. Canotilho teria sugerido uma integração, a seu ver, pragmática, como teoria de cinco componentes, a saber:

1- afirmação da integridade física e espiritual do homem como dimensão irrenunciável da sua individualidade autonomamente responsável;

2- garantia da identidade e integridade da pessoa através do livre desenvolvimento da personalidade;

3- libertação da "angústia da existência" da pessoa mediante mecanismos de socialidade, dentre os quais se incluem a possibilidade de trabalho e;

4- a garantia e defesa da autonomia individual através da vinculação dos poderes públicos a conteúdos, formas e procedimentos do Estado de Direito.

5- igualdade dos cidadãos, expressa na mesma dignidade social e na igualdade de tratamento normativo, isto é, igualdade perante a Lei.

Importante salientar a importância da Dignidade da Pessoa Humana como princípio, posto que sendo um princípio maior, inerente da condição humana, agregando em si a mais alta carga valorativa, é dotado de máxima carga de normatividade, do qual se derivam os direitos e garantias fundamentais, que se tornam imprescindíveis à realização do Princípio.

É fácil percebermos a importância do Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, já que a observamos em diversos ordenamentos pátrios, asseverando e reconhecendo, assim, a sua importância e aplicabilidade no meio social, por que está alicerçada na autodeterminação ou autonomia, cujo valor é superior a qualquer vontade de dominação ou manipulação.

Já mencionamos o artigo 1º da nossa Carta Magna e veremos em outros ordenamentos:


Portugal
"Artigo 1º. Portugal é uma República soberana, baseada na dignidade da pessoa humana e na vontade popular e empenhada na construção de uma sociedade livre, justa e solidária”.

Alemanha
“Art. 1º. A dignidade do homem é sagrada e constitui dever de todas as autoridades do Estado seu respeito e proteção. 2- O povo alemão reconhece, conseqüentemente, os direitos invioláveis e inalienáveis do homem como fundamento de toda a comunidade humana, da paz e da justiça no mundo. 3- Os direitos fundamentais que se enunciam a seguir vinculam o poder legislativo e os tribunais a título de direito diretamente aplicável.”

Espanha
“Articulo 10.1- La dignidad de la persona, los derechos inviolables que le son inherentes, el libre desarollo de la personalidad, el respeto a la ley y a los derechos de los demás son fundamento del ordem político y de la paz social."


Em todos os dispositivos constitucionais observamos a importância do Princípio da Dignidade da Pessoa Humana como valor absoluto, e assim como nos ensina o mestre Rizzatto Nunes, devemos entendê-lo. Vejamos:


"É ela, a dignidade, o primeiro fundamento de todo o sistema constitucional posto e o último arcabouço da guarida dos direitos individuais...
E acentua ainda que: Dignidade é um conceito que foi elaborado no decorrer da história e chega ao início do século XXI repleta de si mesma como valor supremo, construído pela razão jurídica...
E ainda assevera o autor que: ‘A dignidade nasce com a pessoa. É lhe inata. Inerente à sua essência’."


Observamos que a Dignidade como Princípio absoluto resvala, inexoravelmente, na liberdade e autonomia do homem, na sua autodeterminação. Passemos à análise filosófica de Kant, que achamos pertinente ao tema : "A autonomia é fundamental, porque a idéia de autonomia é a idéia de um imperativo racional querido por motivos puramente racionais..."

E ainda acentua Kant, que podemos traduzir como uma máxima para se atingir a Dignidade Humana, ou Igualdade de Respeito, poderia ser traduzida da seguinte forma:


"Age de tal maneira que trates a humanidade, em tua própria pessoa e na pessoa de outro ser humano, jamais meramente como um meio, porém sempre ao mesmo tempo como um fim.”


No tocante à Dignidade da Pessoa Humana que está a pedra angular do nosso tema, já que ela, como valor absoluto, agrega em si os valores de autodeterminação, autonomia e liberdade, por ser o comando central do sistema jurídico , preocupado com as questões sociais e diminuição das desigualdades.

Logo, fundamentalmente, devemos respeitar o direito das minorias, respeitando o direito à sua cultura, sua diversidade, e o direito à diferença.

O Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, como princípio maior e aglutinador dos demais, como a liberdade, igualdade e a autonomia, deve expressar para a sociedade a segurança e a realização de condições da igualização dos indivíduos em sociedade, de forma harmônica, e sem discriminação de qualquer ordem.

Aí está o cerne da questão da nossa dissertação, que é o do respeito ao direito do indígena, com sua cultura e hábitos próprios, sua rica diversidade, o respeito à sua autodeterminação e à sua alteridade, como forma de respeito ao ordenamento jurídico constitucional, e do Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, como forma de materialização dos direitos fundamentais e do Estado Democrático de Direito.

Não podemos esquecer, que em 1500, estima-se que existiam 1 a 3 milhões de indígenas no Brasil.

Hoje, cerca de cinco séculos após, os habitantes primitivos das nossas terras, não somam mais que 207 mil, ou seja, mais ou menos 0,2% da população brasileira, dispersos em quase todo o país, mas especificamente, com concentração maior nas regiões Norte e Centro-Oeste, e de acordo com registros da Funai, com aproximadamente 206 povos indígenas, num total de 547 áreas indígenas, ou 11% das terras nacionais, talvez como heróis de uma resistência cultural, e também da catequização, do genocídio, das queimadas, dos garimpeiros, dos madeireiros e fazendeiros, e também de toda sorte de ganância do homem às suas terras e riquezas.

Ainda assim, segue o índio aculturado, encurralado, levando a sua cultura sob a forma da oralidade, de geração em geração.

Conforme estudos do Instituto Sócioambiental, bem como da antropóloga Carmem Junqueira , a primeira alusão ao direito dos índios e ao respeito aos seus costumes data de 1910, com a criação do Serviço de Proteção ao Índio, sob o comando do Marechal Cândido Rondon. Desde o século XVII, os índios e suas terras teriam sido consideradas como coisa apreendida, coisa conquistada. A partir daí, os brancos começaram a legislar sobre eles, estabelecendo assim, leis sobre o uso da força, a escravização e a guerra.

Adverte a autora citada, que o processo de colonização persistiria ainda hoje, embora com nova roupagem. Agora, não mais pela imposição do trabalho servil, ou pela força, mas através da visão do índio como ser incompleto, atrasado e incapaz, para, com isso, justificar o controle do Estado sobre sua vida e seu destino, posicionamento com o qual concordamos e devemos tentar mudar, sob pena de perdermos a riqueza e a pureza dos habitantes primitivos das nossas terras, tendo a todo o momento o respeito ao comando do Estado Democrático de Direito, que contempla a todos com o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, que não deverá ser letra morta e sim arcabouço de uma sociedade pluralista, igualitária e fraterna, respeitando as diversidades e autodeterminação de um povo que resiste pela sua cultura e identidade.

Na análise da antropóloga citada, cabe um comentário: os historiadores nunca trataram a questão indígena com o destaque merecido, posto que sempre se definiu que a questão indígena não seria uma questão de história, e sim de etnografia, tendo vaticinado na década de 1850, através do historiador Francisco Adolfo Varnhagem a seguinte frase: "para os índios não há historia, há apenas etnografia."

Parece que tais palavras tiveram muito peso por alguns anos, até que, felizmente, os antropólogos surgem, ao longo dos anos, com um renovado interesse pela cultura e diversidade dos povos indígenas. Temos aí nessa caminhada pelo resgate e estudo dos povos nomes como: Gabriel Soares de Souza, Simão de Vasconcelos, Alexandre Rodrigues Ferreira, Carl F. P Von Martius, Karl Von Den Steinen, Capistrano de Abreu, Florestan Fernandes e Darcy Ribeiro e tantos outros, que, como integrantes de Institutos Históricos e Geográficos Estaduais, buscaram, a seu modo, e com suas forças, diante de dificuldades políticas e limites teóricos, atribuir um significado à história da cultura e da civilização dos índios.

Triste é observar que, infelizmente, o traço comum dos estudiosos é de como encaram o futuro dos povos indígenas, diante de tanto descaso e falta de políticas públicas, para cumprir e fazer cumprir a Constituição e, principalmente, o Princípio maior, que é o da Dignidade da Pessoa Humana. Empurram os índios do seu habitat natural, através da antiga cultura de política integracionista, que provocou o aculturamento das populações indígenas, não respeitando seus usos e costumes diferentes e ricos, sufocando e provocando a descaracterização étnica, o que, ao longo do tempo, tem provocado a onda de suicídio de muitas etnias, por falta de perspectiva e abandono do Estado, que constitucionalmente tem o dever estabelecido na Constituição.

Contudo, por pior que seja, o que resiste e vai contra todas as correntes pessimistas é a própria vítima do descaso, ou seja, o índio, através da sua própria organização e de expressão política, que reivindicam seus direitos históricos, como habitantes primitivos. Este direito emergente, ou indigenismo, como já dito, tem como adeptos os fortes aliados que são os estudos antropológicos, não só academicamente, mas como estudos para subsidiar as lutas e reivindicações indígenas, mostrando a visibilidade e a viabilidade da força da cultura indígena, contaminando a opinião pública nacional e internacional, conduzindo-o para o seu verdadeiro lugar com reconhecimento social e humano.

No enfoque da antropóloga e especialista em história indígena, Manuela Carneiro da Cunha, podemos observar este processo. Vejamos: "Não é a marcha inelutável e impessoal da história que mata os índios: são as ações e omissões muito tangíveis, movidas por interesses e concretos."

Entretanto, no pensar da especialista citada e tantos outros, os historiadores precisam repensar e reavaliar o significado da História e da memória de populações que mostraram muito pouco de sua cultura, resgatando a historiografia que têm, e terá, um papel fundamental, posto que relegou a cultura e diversidade dos povos indígenas, tendo criado no início da colonização um papel fugaz, ressaltando, apenas, a questão da etnografia.

Diante de tais fatos, como operadores e estudiosos do direito, devemos invocar e avaliar a eficácia, como destinatários da proteção, como seres humanos que somos, dos Fundamentos da República Federativa do Brasil, que constitui um Estado Democrático de Direito, e no dizer de Alexandre de Moraes, temos o estudo e o significado de Dignidade da Pessoa Humana. Vejamos:


"A dignidade da pessoa humana concede unidade aos direitos e garantias fundamentais , sendo inerente às personalidades humanas. Esse fundamento afasta a idéia de predomínio das concepções transpessoalistas de Estado e Nação, em detrimento da liberdade individual. A dignidade é um valor espiritual e moral inerente à pessoa, que se manifesta singularmente na autodeterminação consciente e responsável da própria e que traz consigo a pretensão ao respeito por parte das demais pessoas , constituindo-se um mínimo invulnerável que todo estatuto jurídico deve assegurar, de modo que, somente excepcionalmente, possam ser feitas limitações ao exercício dos direitos fundamentais, mas sempre sem menosprezar a necessária estima que merecem todas as pessoas enquanto seres humanos."


Na verdade, o objetivo deste estudo é exatamente o de acreditar no exercício da liberdade, autonomia e respeito ao Princípio da Dignidade do índio, como ser humano, portador de uma cultura vastíssima, e não como ser hipossuficiente, incapaz e incompleto.
O que vemos, é que os grupos sociais diferentes do grupo social dominante não logram o respeito e a aceitação da sociedade, uma vez que o Estado continua a insistir no seu caráter onipotente, apesar do discurso pluralista e democrático. A sociedade implora e urge o tempo da concretização dos comandos constitucionais e sua efetivação no seio da sociedade.

O exemplo mais evidente que nos salta os olhos, talvez seja a questão indígena e o esfacelamento de povos que vão à margem do dito processo da civilização dominante. Vemos o avanço de um novo século, e as mentalidades dominantes se negam em aceitar o direito das minorias, não só dos índios, como também dos negros, dos doentes, dos idosos etc.

O tema do direito indígena e a busca pelo seu reconhecimento e resistência, bem como do reconhecimento do Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, pode ser exemplificado pela luta e também por conquistas do indigenismo, que insiste e deve ser resistente, pelo bem da nossa própria identidade e história. Tomemos como exemplo o estudo do CIMI, que tem como título o seguinte: "Nem ressurgidos, nem emergentes, somos povos resistentes."

Fruto de um encontro nacional, mais de 90 lideranças indígenas participaram do evento, realizado em Olinda em julho de 2003, que teve como objetivo a sociabilização , as informações acerca das dificuldades enfrentadas e o estabelecimento uma pauta de reivindicações, em que esclarecem:


"A nossa presença vem sendo reafirmada a cada dia, principalmente por nossa capacidade de resistir a toda sorte de agressões e massacres impostos pelo Estado brasileiro ao longo de mais de 500 anos."


A organização das lideranças faz parte de vários anos de discussão e da ratificação da Convenção nº 107, de 5 de junho de 1957 e também da Convenção n°169, que revisou aspectos da Convenção n°107/57, que tratam dos Direitos Humanos e Liberdades Fundamentais dos índios, e a busca da consciência de sua identidade indígena e tribal, sendo este o critério fundamental para a determinação dos grupos e para a aplicação da Convenção n° 169/89.

O reconhecimento das questões indígenas vem sendo discutido ao longo dos anos, através de normas internacionais de caráter geral, de tal forma a assegurar a proteção das etnias indígenas nas respectivas comunidades nacionais e na melhoria de suas condições de vida e trabalho. Tais normas foram formuladas em colaboração com as Nações Unidas, a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura, bem como a Organização Mundial de Saúde.

A primeira Convenção a tratar sobre a questão, foi convocada em Genebra, pelo Conselho de Administração da Repartição Internacional do Trabalho , onde foram aprovadas diversas propostas relativas à proteção e integração das populações indígenas, sobretudo visando que "todos os seres humanos têm o direito de buscar o progresso material e o desenvolvimento espiritual dentro da liberdade e dignidade, e com segurança econômica e oportunidades iguais", e ainda como descrito no parágrafo preambular, temos a Declaração Universal dos Direitos dos Povos Indígenas (Projeto), no ano de 1993, declarado pela ONU a importância e o respeito pela diversidade, como segue: "1- Afirmando que todos os povos indígenas são livres e iguais em dignidade e direitos, de acordo com as normas internacionais, e reconhecendo o direito de todos os indivíduos e povos de serem distintos e de considerarem-se distintos, e serem respeitados como tais."

O cerne da Convenção n° 169/89 foi o de confirmar os termos da Declaração Universal dos Direitos Humanos, do Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e dos numerosos instrumentos internacionais sobre a prevenção da discriminação, lembrando a particular contribuição dos povos indígenas e tribais à diversidade cultural, à harmonia social e ecológica da humanidade e à cooperação e compreensão internacionais, nos termos da Convenção, o que demonstra que devemos cumprir e fazer cumprir o compromisso com a Dignidade da Pessoa Humana e evitarmos discriminações odiosas à causa indígena.

2. O Direito à Diferença e o Princípio da Igualdade

Acredito que o mais importante, quando pensamos em direito à diferença e o Princípio da Igualdade é a frase lapidar, simples e monumental: "Somos iguais, Somos diferentes."

Esta frase vem mostrar que devemos respeitar as diferenças, procurando igualizar e tentar harmonizar as gritantes desigualdades perpetradas no mundo, dada a diversidade de raça, cor, sexo, idioma, religião, posição econômica, política, ou das minorias excluídas do processo social, intelectual, e de toda ordem.

Esta frase foi sintetizada como slogan da Pastoral da migração, como a esperança no cumprimento do artigo segundo da Declaração dos Direitos Humanos de 1948.

Temos no artigo 1º da Declaração da Virgínia um sentimento de igualdade que também sintetiza o nosso pensamento, abaixo transcrito:


"Todos os seres humanos são, pela sua natureza, igualmente livres e independentes, e possuem certos direitos inatos, dos quais, ao entrarem no estado de sociedade, não podem, por nenhum tipo de pacto , privar ou despojar sua posteridade; nomeadamente, a fruição da vida e da liberdade, com os meios de adquirir a propriedade de bens, bem como de procurar e obter a liberdade". (in Declaração da Virgínia , em 16 de junho de 1776, artigo I)


Na visão do mestre Fábio Konder Komparato , este foi o reconhecimento solene de que todos os homens são igualmente vocacionados, pela sua própria natureza, ao aperfeiçoamento constante de si mesmos. E que a busca da felicidade, inserida na Declaração de Independência dos Estados Unidos, apenas duas semanas depois, traduziria a razão de ser desses direitos inerentes à condição humana.

O coroamento desses ideais foi mais uma vez confirmado com o tríade axioma francês de 1789: Liberdade, Igualdade e Fraternidade, onde em seu artigo primeiro da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão proclama : "Os homens nascem e permanecem livres e iguais em direitos."

Temos ainda os Pactos Internacionais de Direitos Humanos de 1966, em seus artigos 26 e 27, que prescrevem :


"Art 26: Todas as pessoas são iguais perante a lei e têm direito, sem discriminação alguma, a igual proteção da lei. A este respeito , a lei deverá proibir qualquer forma de discriminação e garantir a todas as pessoas proteção igual e eficaz contra qualquer discriminação e garantir a todas as pessoas proteção igual e eficaz contra qualquer discriminação por motivo de raça, cor, sexo, língua , religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, situação econômica, nascimento ou qualquer outra situação.
Art 27: Nos Estados em que haja minorias étnicas, religiosas ou lingüísticas, as pessoas pertencentes a essas minorias não poderão ser privadas do direito de Ter, conjuntamente com outros membros de seu grupo, sua própria vida cultural, de professar e praticar sua própria religião e usar sua própria língua." (g.n.).


Os artigos supra tratam de minorias e os artigos devem ser entendidos conjuntamente, salientando toda forma de discriminação ou de exclusão, baseadas nas diferenças, quer seja de raça, cor, sexo, ou de qualquer ordem.

O artigo 26 prevê o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, independente de quaisquer diferenças de origem, nacional ou social.

Já o artigo 27, na definição de Komparato , implicaria no direito à diferença, ou seja, no reconhecimento da própria identidade cultural.

Pela evolução histórica dos Direitos Humanos, observamos que, incrivelmente, até hoje, não sabemos garantir o Princípio da Igualdade. Na verdade, o compromisso com a Igualdade deve sempre ser fortalecido, se pensarmos que somos iguais pela igualdade fundante do nosso ser de pessoas humanas e que, ser pessoa é a raiz de todos os direitos humanos que se possam reivindicar e reconhecer. Nessas primorosas palavras de Dom Pedro Casaldáliga , devemos buscar todo o nosso esforço e pensamento na busca deste ideal.

Contudo, a igualdade e o seu ideário tem sido constantemente relativizado, principalmente, na questão das minorias e, especialmente, nas minorias indígenas, cujo etnocídio vem causando o extermínio e o desmantelamento da nossa própria história.

A nossa matriz única de seres humanos deveria pertencer por natureza a todos, indistintamente, fundamentando e possibilitando todos os direitos civis, sociais, culturais. Os direitos humanos universais, este "dever ser" em que os direitos indígenas estão incluídos não estão sendo acolhidos pelo Estado em todos esses anos, principalmente quanto à sua diversidade étnico-cultural e à auto-organização.

A constante e desastrosa intenção integracionista, da absorção da cultura indígena pela dita civilizada, tanto no Brasil quanto na América Latina, foi o caos e vem levando à desintegração cultural e social dos povos indígenas.

Falar da igualdade , na verdade , é falar de Justiça, na limitação da arbitrariedade, do excesso e da opressão, que devemos evitar.

Na esteira de Bobbio , temos que os dois valores da liberdade e igualdade remeteriam um ao outro no pensamento político e na história. Tendo ambos o seu enraizamento na consideração do homem como pessoa. Logo, ambos dentro do conceito de pessoa humana.

A dicotomia entre os dois conceitos seria que: a liberdade indicaria um estado, ao passo que a igualdade significaria uma relação.

Assim, como define Bobbio, o homem como pessoa deve ser enquanto indivíduo em sua singularidade, livre; enquanto ser social, deve estar com os demais indivíduos em relação de igualdade.

Contudo, sabemos que sociedade de livres e iguais seria um sonho bem distante e hipotético, apenas desejado.

Poderia existir uma sociedade na qual todo homem fosse livre na medida em que obedecesse apenas aos seus desejos, numa sociedade em que cada um e todos desfrutariam da liberdade total. Tendo e reconhecendo a igualdade na liberdade. Ou poderíamos supor, segundo Bobbio, numa sociedade livre, mas não de iguais nas respectivas esferas de liberdade, e ainda de iguais mas não livres, ou finalmente, de indivíduos desiguais na liberdade e desiguais na escravidão.

Os indivíduos precisam dos valores da liberdade e também da igualdade, como fundantes da democracia. Infelizmente, o Estado, o poder público e os poderes instituídos, como também a sociedade não conseguiram a harmonização desses ideais.

Em sede deste tema, devemos lembrar, que o princípio da igualdade interdita tratamento desuniforme às pessoas. Por isso a Lei, residiria, exata e precisamente, em dispensar tratamentos desiguais. As normas legais, sob seu enfoque, nada mais fazem que discriminar situações, à moda que as pessoas compreendidas em umas ou em outros vêm a ser colhidas por regimes diferentes. Logo, a algumas seriam deferidos determinados direitos e obrigações que não existem a outras, por abrigadas em diversas categorias, reguladas, por diferente plexo de obrigações e direitos .

O que é importante observar é que a Constituição Federal, propositadamente acatou a igualdade na diferença, e soube preservar a cultura e a autodeterminação dos povos indígenas, como nunca nenhuma Constituição houvera feito, sem contudo ser preciso reivindicar a criação de um Estado nacional ou de um Estado soberano próprio. Reconhecer-se que a autodeterminação , seria simplesmente o direito de os povos disporem sobre si mesmos, como dito no Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais de 1966, consagrando duas vertentes de raciocínio, uma quando, a partir das organizações sociais estatais, significaria o povo do Estado, apesar das diferenças, como um só.

O que ocorreu, foi que à criação do Estado associou-se a idéia de nação, reconhecendo-se apenas uma cultura nacional, na igualdade de direitos como um todo, sem levar em conta as diferenças entre raças e etnias diferentes, que deveriam conviver num país.

A herança do “monismo jurídico estatal”, que atribuiu o Monopólio do Estado, na produção de normas jurídicas, fez com que o Estado, amparado pelo princípio da soberania nacional, não aceitasse a convivência, no mesmo território, de sistemas jurídicos diferentes, obrigando as populações indígenas ao jugo das leis do Estado, desrespeitando a diversidade cultural, social, o que, ao longo da história, não demonstrou ser benéfico .

A efetivação do preceito constitucional da igualdade parece tão longe, como a efetivação dos direitos individuais, colocados nas declarações de direitos humanos como pacto social. Talvez a solução fosse a adoção de alguma medida coercitiva, ou da efetivação de medidas públicas e ainda de um Poder Judiciário mais forte, como sendo o poder que dá eficácia à aplicação dos direitos humanos, como forma de reprimir qualquer forma de discriminação, respeitando-se, finalmente, o princípio da Igualdade.

Também parece difícil querermos ao mesmo tempo a garantia do direito à auto-organização e à diversidade de culturas, diante de um Estado que só aceita uma cultura nacional e prega, indistintamente, a igualdade de direito para todos, apesar das diferenças. A justa medida, neste caso, é quase irreal, como é falar-se na efetividade do Princípio da Igualdade.

3. O Reconhecimento da Declaração dos Direitos Indígenas como Pressuposto da Dignidade da Pessoa Humana

O que mais se acalenta e deseja, sobretudo nas relações humanas, é que se respeite a cultura, identidade, construção social, hábitos e, principalmente, o reconhecimento da dignidade como ser humano. Os povos indígenas, vêm, de há muito, pleiteando, no âmbito das Nações Unidas, uma declaração que reconheça seus direitos. O projeto da declaração foi proposto pelo grupo de trabalho sobre populações indígenas da Subcomissão para a prevenção da discriminação e minorias da ONU, também formado por representantes e lideranças indígenas, que vem revisando, discutindo e trazendo sugestões, para submeter o texto da Declaração à ONU, em mais de duas décadas de discussão, sem contudo obter o êxito desejado, embora o ano de 1993 seja declarado, como o Ano dos Povos Indígenas, ou a década de 1994 a 2005, como Década Indígena, muito se trabalha e pouco se realiza. Cabe aos resistentes a esperança e, sempre a cada instante, a busca do seu espaço.

Tomando por base os estudos desenvolvidos por Marco Antonio Barbosa , e também do Instituto Socioambiental , escrito por Ana Valéria Araújo, analisaremos o conteúdo dos estudos, o projeto e a luta dos povos indígenas, rumo à sua Declaração Universal , abaixo transcrita.

Começaremos por destacar a forma aberta como os trabalhos acontecem, sendo um importante marco a ativa participação que se tem notícia no âmbito das atividades da ONU, sob a batuta da sua presidente Erica Irene Daes, sobretudo ao aceitar até a participação de organizações sem exigência formal, o que gerou críticas de governos, mas vem alcançando, pela sua magnitude, um reconhecimento e um respeito, antes inimagináveis pelos Estados, pelas agências intergovernamentais e observadores. Contudo, desde o caminhar de um simples projeto até a aprovação de uma nova Declaração, o caminho foi longo e objeto de inúmeras modificações. Entretanto, merece toda a nossa atenção pela resistência e pelo trabalho desenvolvido ao longo de mais de duas décadas .

Importante ressaltar, que uma Declaração Internacional não é um acordo ou um instrumento legal obrigatório, é uma manifestação acerca do que os Estados membros acreditam ser direitos, através de uma exposição genérica de valores e princípios fundamentais, que deveriam ser respeitados por todos os governos, mas não possuem força de lei. Mesmo assim, tem uma importância enorme pois, no âmbito da ONU, é adotada por consenso dos Estados que somam quase a totalidade dos países do mundo, e esta socialização, para a causa é muito benéfica, pois coletiviza cada vez mais os direitos humanos, dos quais os indígenas fazem parte, firmando entre os países os conceitos éticos e morais, comprometendo os governos que ratificam os Tratados e Declarações.

Importante também analisarmos os termos preambulares, bem como os quarenta e seis artigos desta Declaração Universal , que congregam tudo o que os autóctones vem pleiteando há duas décadas, sendo esclarecedor dos anseios e também como trabalho técnico, bem demonstra e divulga os anseios e esperanças indígenas de todo o mundo, mostra seu purismo e a integridade dessas aspirações.

A temática indígena, antes de ser discutida de forma discriminatória e sem consistência, merece ser bem analisada e divulgada, como forma de fomentar a discussão e o desenvolvimento, até na instância internacional, comprometendo os Estados que fazem parte.
Importante destacar alguns itens da Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas que demonstram o cunho de proteção e harmonização de direitos internacionalmente reconhecidos , de forma universal.
Vejamos algumas normas preambulares importantes :
....
“Preocupada pelo fato de que os povos indígenas tenham sofrido injustiças históricas como resultado , entre outras coisas, da colonização e alienação das suas terras, territórios e recursos, o que os têm impedido de exercer, em particular, seu direito ao desenvolvimento em conformidade com suas próprias necessidades e interesses;”
...
“Considerando que os direitos afirmados nos tratados , acordos e outros acertos construtivos entre os Estados e os povos indígenas são, em algumas situações , assuntos de preocupação , interesse e responsabilidade internacional , e tem caráter internacional;”
...
“ Reconhecendo que a Carta das Nações Unidas , o Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais e o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos , assim como a Declaração e o Programa de Ação de Viena afirmam a importância fundamental do direito de todos os povos à livre determinação , em virtude do qual estes determinam livremente sua condição política e perseguem livremente seu desenvolvimento econômico , social e cultural :”
...
“Reconhecendo e reafirmando que as pessoas indígenas tem direito sem discrimação a todos os direitos humanos reconhecidos no direito internacional e que os povos indígenas possuem direitos coletivos que são indispensáveis para sua existência , bem-estar e desenvolvimento integral como povos;”
“Proclama solenemente a Declaração das Nações Unidas sobre o Direito dos Povos Indígenas , cujo texto figura a continuação , como ideal comum que deve ser perseguido num espírito de solidariedade e de respeito mútuo.”
No mesmo diapasão cito os artigos 1°, 3°, 7°, 10, 15, 17, 31, 37, 42, 43 e 46 da Declaração , que reafirmam os conceitos que norteam o preâmbulo que é o norte principiológico e de conduta das normas que impõem e se referem a autodeterminação , igualdade , direito à alteridade, preservação da cultura ancestral, e ainda a preocupação com a biodiversidade e meio-ambiente.

CONCLUSÃO

A Declaração sobre os Direitos dos Povos Indígenas traz uma série de princípios, desde os preâmbulos até nos seus quarenta e cinco artigos, apontando os principais temas do documento. Merece destaque a preocupação com a igualdade de direitos, a luta contra a opressão, o genocídio e etnocídio, buscando a identidade de seus costumes e religião, passando pela preservação com o meio-ambiente, primando pelo direito a viver e a ser diferente.

O projeto trazia também a preocupação dos povos indígenas com o direito de escolha de todos assuntos que lhes são afetos, como o direito à autodeterminação. O relacionamento democrático com as sociedades e Estados envolventes também é lembrado, sob o prisma de que a Dignidade é importante fundamento do Estado Democrático de Direito, e por fim, proclamando a todos a promoverem ações que tenham efetividade e protejam os interesses dos índios, como reconhecimento internacional de direitos humanos.

A Declaração Universal dos Povos Indígenas , pode ser considerado como mais um instrumento de vitória da luta dos povos indígenas, numa luta árdua de mais de duas décadas.

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4-ARTIGO UM ENSAIO SOBRE A LIBERDADE INSPIRADO NA OBRA DE HANNAH ARENDT

HANNAH ARENDT: VIDA E OBRA
UM MERGULHO NA TRAJETÓRIA DE HANNAH ARENDT
A PERSONIFICAÇÃO DO SENTIDO DA PALAVRA LIBERDADE

Passaremos ao estudo desta filósofa que não gostava de assim denominar-se, talvez por ter sido sempre uma intelectual independente , em seus conceitos e na rebeldia com a qual se identificou, mantendo-se fiel ao que acreditava.
O cerne deste despretensioso trabalho talvez possa ser personificado em Hannah Arendt , uma vez que a sua própria figura e a história da sua vida podem bem demonstrar o sentido da liberdade.
Muitos autores referem-se a Hannah Arendt apontando o seu brilhantismo como intelectual , porém , sempre citando a sua trajetória como judia , num mundo nazista em que viveu e sofreu, e , sobretudo , como soube transpor com galhardia as suas dificuldades, projetando-se sempre em frente , na busca da liberdade.
A descoberta do trabalho de Hannah Arendt é muito instigante, embora seja de uma certa dificuldade de decodificação , como menciona Celso Lafer, que teve o privilégio de ser seu aluno na Universidade de Cornell , apreendendo diversos conceitos de como se pode ser intelectual atrelado ao mundo e às pessoas, uma vez que , segundo Lafer , Hannah Arendt permitia e incentivava também fora da aula, o contato e o diálogo , demonstrando que o ser humano pode ser rico culturalmente e também profundamente humanista, que é o que todos nós pretendemos e almejamos.
Começaremos o estudo abordando a vida de Hannah Arendt, baseado em relatos e em estudos de Celso Lafer e também de João Maurício Leitão Adeodato, que sintetizam com o maior brilhantismo a vida e obra de Hannah
Em seguida, passaremos ao seu estudo sobre a liberdade , enfocando o estudo de sua obra Between Past and Future, intitulada entre nós como Entre o Passado eo Futuro , obra datada de 1968.
Hannah Arendt nasceu em 1906, em Hanover e morreu nos Estados Unidos , em 1975.
Na Alemanha, de onde saiu em 1934, estudou nas Universidades de Marburgo , Friburgo e Heidelberg.
Na Universidade de Heidelberg onde se doutorou em 1928, foi aluna de Heidegger e Jaspers.
Segundo Lafer, com Heidegger Hannah Arendt aprendeu a distinguir “entre um objeto de erudição e uma coisa pensada.” Em outras palavras, analisa, pensar não seria pensar sobre alguma coisa, mas pensar alguma coisa.
Não existiria a oposição entre a razão e a paixão, entre o espírito e a vida em Heidegger, mas sim, no entendimento de Hannah Arendt, a possibilidade de um pensar apaixonado, no qual o pensar e o estar vivo constituem uma unidade que se funde.
Hannah Arendt morreu aos sessenta e nove anos de idade, em Nova York, como cita João Maurício Leitão Adeodato, depois de uma vida diretamente relacionada com as notáveis mudanças e crises políticas por que passou o mundo durante o século XX.
Hannah, de família de judeus alemães de Konigsberg, terra também de Kant, como esclarece João Adeodato , pertencente à antiga Alemanha Oriental.
Os pais de Hannah moravam em Hanover, quando de seu nascimento.
Em 1914, com o advento da Guerra, Hannah e sua mãe, que já era viúva, retornam para junto de seus parentes em Konigsberg, onde sua mãe vem a casar-se em 1920.
Aos 18 anos, esclarece João Adeodato, Hannah presta o vesibular para a Universidade de Marburgo , onde inicia os estudos de filosofia , sob a orientação de Heidegger , depois em Freiburg , com Edmund Russel , em seguida com o seu grande incentivador Karl Jaspers , sob sua orientação defende tese de doutoramento sobre O Conceito de Amor em Agostinho, do ano de 1929. No mesmo ano Hannah casa-se com o também judeu chamado Gunther Stern.
Na análise de João Adeodato, Hannah teria aprendido com Heidegger que o pensamento deve ser apaixonado, que devemos nos envolver intimamente e tomar partido quando nos dirigimos a um objeto, de modo semelhante à abordagem poética.
Dito pela própria Hannah Arendt, Jaspers teria sido seu verdadeiro mestre, com quem manteve amizade até o fim de sua vida, que lhe ensinou que o filósofo deveria estar em contato com o bem-estar da comunidade, e de toda humanidade.
A vocação política teria sido despertada em Hannah por volta de 1926, tomando verdadeiramente partido da causa sionista.
Já em 1951, após seis anos da derrota nazista, Hannah publica seu primeiro grande livro intitulado As Origens do Totalitarismo, em 3 volumes, tratando do anti-semitismo, imperialismo e totalitarismo., onde procura, segundo menciona João Adeodato, uma das grandes questões da sua vida e como teria sido possível acontecer o fenômeno totalitário.
Neste mesmo ano, Hannah torna-se cidadã americana.
Em 1958 publica A Condição Humana, publicada nos Estados Unidos. No mesmo ano publica em Londres a biografia de Rahel Varnhagen: The Life of a Jewess.
De 1955 a 1967, ensina Filosofia e Ciência Política nas Universidades de Berkeley, Princeton, Columbia, Brooklyn College e Aberdeen, na Escócia.
Em 1959 publica Reflections on Little Rock, tratando do problema racial dos Estados Unidos, obviamente dentro dos seus postulados filosóficos de sua ontologia da ação. Tais artigos provocam reações e polêmicas em diversos setores, principalmente na esquerda., onde é acusada de conservadora.
Em 1963 publica On Revolution, quando já era famosa nos meios intelectuais. Dessa vez, Hannah por seu tom irônico e pela sua análise a respeito da participação de alguns líderes e organizações judaicas , é tida como identificada com a esquerda.
No ano de 1968, sai a coletânea Men in Dark Times, reunindo vários de seus artigos.
No ano de 1969 e 1970, respectivamente perde seu amigo e incentivador Karl Jaspers , e também perde seu marido Blucher.
No ano de 1972 sai a publicação Crises da República, concluindo um ensaio anterior chamado On Violence, publicado em 1970.
Trabalhava , quando da sua morte, em projetos mais ligados à filosofia, como o pensar, o querer e julgar, como já tivera feito em A Condição Humana .
Hannah falece em 4 de dezembro de 1975, quando conversava com um casal de amigos. Pouco antes de morrer Hannah havia recebido o prêmio Sonning Prize na Dinamarca, pelo reconhecimento de seu trabalho à cultura européia .
Poderíamos destacar os temas mais relevantes da obra de Hannah , que foram fundamentais na construção de sua carreira: sua condição de judia, o nazismo , a política e a filosofia.
As angústias por que passou Hannah Arendt foram decisivas e fruto da realidade de seu tempo, obviamente, moldaram seu pensamento e suas ações. Vários escritores foram influência para Hannah, tais como : Platão , Agostinho, Kant.
Segundo João Adeodato, a posição de Hannah como da “esquerda” ou da “direita” soaria ambígua, podendo-se captar tanto em uma quanto em outra os aspectos ou tendëncias de cada uma em suas obras.
Afirma Adeodato que da “direita” viria a exaltação da liberdade universal de cada homem como ser único, a desconfiança das massas e a idéia de que os “problemas sociais” não fazem parte do âmbito da política. Já da “esquerda”, afirma, viria o seu desprezo pelo Establishment , sua admiração pelos sovietes e pela revolução húngara de 1956 e a convicção da importância da classe operária na política contemporânea.
Talvez fosse mais prudente afirmar a independência de Hannah Arendt em todos os seus trabalhos, não importando ser desta ou de outra facção política ou ideológica, que amarraria em um molde ou tiraria a sua autonomia e convicção. Passaremos agora a abordar o seu estudo sobre a liberdade na obra Between Past and Future , datado de 1968.
Celso Lafer, ao analisar a trajetória de Hannah esclarece que em virtude de sua influëncia Kantiana, o Juízo teria suas raízes na estética e no gosto. Daí o seu apreço pels palavra e pela poesia, isto é, como o poder de dar nome às coisas. Segundo Lafer, seria a persuasão que permitiria o agir em conjunto e, consequentemente, a geração do poder no espaço público da liberdade.
No livro citado nesta monografia Entre o Passado e o Futuro, temos a partir de sua proposta da condição humana, que a palavra e ação , para se converterem em política , requerem, sob a ótica de Celso Lafer, um espaço que seria do mundo político, cuja existência permitiria o aparecimento da liberdade.
Passaremos`a análise dos capítulos importantes desta obra, que tratam do tema da liberdade.

Que é a liberdade?

Hannah inicia este capítulo do seu livro ON LIBERTY, traçando uma abordagem sobre o conceito de lliberdade, assumindo a dificuldade e talvez da impossibilidade lógica de sua definição.
Acentua que a dificuldade pode ser resumida como a contradição entre consciência e nossos princípios morais, que nos indicam que somos livres e que, por isso mesmo, responsáveis, nos orientando de acordo com a nossa experiência cotidiana e com o princípio da causalidade.
Na questão política, Hannah destaca que teríamos a liberdade humana como uma verdade evidente por si mesma ; e sendo, através desta suposição axiomática que as leis seriam elaboradas e que os juízos seriam feitos.
A autora avalia que a liberdade seria uma miragem, posto que a Psicologia procuraria aquilo que seria supostamente seu domínio próprio.
Estes temas obscuros, na análise da autora, teriam sido muito bem esclarecidos pelos ensinamentos de Kant, no seu discernimento de que a liberdade não seria passível de averiguação por parte das faculdades interiores e dentro da área da experiência interna, do que pelos sentidos pelos quais conheceríamos e compreenderíamos o mundo.
O mérito de Kant seria o de distinguir a liberdade sob um duplo aspecto: o da razão teórica ou “pura”e uma “razão prática” cujo centro seria a vontade livre , acentuando em seus estudos que o importante seria se ter em mente que o agente seria dotado de livre-arbítrio , jamais apareceria no mundo fenomênico, quer no campo do mundo exterior, quer no campo da percepção interior , onde percebemos a nós mesmos.
Hannah esclarece em seu ensaio, que o motivo para a obscuridade estaria em que o fenômeno da liberdade não surgiria na esfera do pensamento, e que a tradição filosófica teria distorcido , em vez de esclarecer, a própria idéia de liberdade, tal como ela se dá na experiência humana , ao tentar tranpô-la de seu campo original, que seria o da política , para um domínio interno da vontade, onde ela estaria aberta , segundo diz a autora, a auto-inspeção.
Acentua Hannah que quando a liberdade teria feito sua aparição na tradição filosófica, o que deu origem a ela teria sido a experiência da conversão religiosa de Paulo e Agostinho, respectivamente .
No âmbito da política, a liberdade seria conhecida como um fato da vida cotidiana, nunca como um problema.
Neste aspecto, segundo a autora, devemos sempre ter em mente, ao falarmos de liberdade, que o homem é dotado do dom da ação, pois, para Hannah, ação e política seriam , entre todas as capacidades e potencialidades da vida humana, as que deveriam tratar sobre a liberdade humana.
A liberdade se tornaria alvo da política, segundo a autora, em épocas de crise ou de revolução. Sem a liberdade, a vida política seria destituída de significado.
A autora esclarece que: “A raison d ‘etre da política é a liberdade, e seu domínio de experiência é a ação”.
Hannah entende que as experiências de liberdade seriam derivativas, no sentido de que pressupunham uma retirada do mundo onde a liberdade teria sido negada para uma interioridade na qual ninguém teria acesso.
Segundo a autora, os argumentos mais convincentes sobre a absoluta superioridade da liberdade interna seria a do ensaio de Epicteto, onde afirmaria que livre seria aquele que vive como quer, vindo em direção ao pensamento de Aristóteles, na qual a asserção seria : ”a liberdade significa fazer um homem o que deseja”.
Hannah entende que historicamente o aparecimento do problema da liberdade na filosofia de Agostinho teria sido precedido na tentativa de divorciar da política a noção de liberdade, sendo possível se chegar à formulação de que poderíamos ser escravos do mundo e ainda sermos livres.
Na antiguidade, segundo a autora, o entendimento era de que o homem não poderia libertar-se da necessidade a não ser mediante o poder sobre os outros, sendo livre somente se fosse possuidor de um lar no mundo.
Epicteto teria tranformado este padrão de pensamento, posto que trouxe essas relações mundanas para dentro do próprio homem, sendo este poder interior absoluto , resguardado e tão seguro do que qualquer interferência externa , ou de qualquer lar .
Hannah entendeu que antes que a liberdade se tornasse um atributo do pensamento ou uma qualidade da vontade, esta seria entendida como o estado do homem livre, que o capacitaria a se mover, sair de casa e encarar o mundo, estando em contato com outras situações e relacionando-se com o mundo à sua volta, por meio de palavras e ações.
Dessa forma, Hannah entende que para que isso pudesse acontecer, seria necessário a companhia de outros homens, num mundo politicamente organizado, no qual cada ser livre pudesse inserir-se.
Para Hannah, a liberdade começaria onde a política terminaria, uma vez que a política prevaleceria sobre todo o restante.
A autora aponta que os pensadores políticos do século XVII e XVIII, identificavam liberdade política com segurança, sendo o propósito da política a “finalidade do governo” e a garantia da segurança. A segurança , por seu turno , é que tornaria possível a liberdade e a liberdade seria para a autora a quintessência de atividades que ocorriam fora do âmbito político.
No século XIX e XX, Hannah analisa a ampliação da brecha entre liberdade e política, uma vez que o governo , desde o início da idade moderna tendo sido identificado com o domínio total do político., agora seria considerado não como o protetor nomeado , não tanto da liberdade, como do processo vital dos interesses da sociedade e de seus indivíduos.
Hannah adverte ainda que, o conceito cristão de liberdade política teria surgido da desconfiança e hostilidade que os cristãos primitivos tinham contra a esfera política.
O ponto crucial deste ensaio seria a de que, para a autora, a raison d’etre da política é a liberdade e que essa liberdade é vivida basicamente na ação.
Hannah nos ensina que a liberdade, enquanto relacionada à política não seria fenômeno da vontade.
Entende que para que sejamos livres, a nossa ação também deve ser livre.
A ação seria livre na medida em que pudesse transcender os motivos e objetivos de todo ato particular.
Hannah entende que a vontade, sendo vista como uma faculdade humana distinta e separada, seguiria-se ao juízo, ou seja, à cognição do objetivo certo, comandando sua execução. Logo, para Hannah, o poder de comandar, de ditar a ação, não seria uma questão de liberdade, mas de força e fraqueza.
A autora adverte ainda que a ação na medida em que é livre, não se encontra sob a direção do intelecto, nem sob os ditames da vontade, embora necessite de ambos para a execução de um objetivo qualquer.
A ação, no entender da autora, brotaria de algo inteiramente diverso, através de um princípio , seguindo a famosa análise de Montesquieu.
Tais princípios seriam a honra ou a glória, o amor à igualdade, que Montesquieu teria chamado de virtude.
Para a autora, o surgimento da liberdade , assim como a manifestação de princípios , coincidiria sempre com o ato em realização. Ser livre e agir são a mesma coisa.
A polis grega, segundo a autora foi a ”forma de governo” que proporcionou aos homens um espaço para aparecimento onde pudessem agir, sendo uma espécie de anfiteatro onde a liberdade poderia aparecer.
Segundo Hannah, empregar o termo político no sentido da polis grega não seria nem arbitrário nem descabido, posto que seria difícil falar de política sem recorrer às experiências da antiguidade grega e romana.
No entanto, para Hannah, no que tange à relação entre liberdade e política, existiria uma razão adicional de que somente comunidades políticas antigas teriam sido fundadas com o propósito expresso de servir aos livres.
Se entendemos o político, no sentido da polis, como cita Hannah , teríamos que sua finalidade seria estabelecer e manter em existência um espaço em que a liberdade , enquanto virtuosismo , pudesse aparecer.
Para Hannah, toda tentativa de derivar o conceito de liberdade de experiências no âmbito político soaria de maneira estranha e surpreendente porque todas as nossas teorias seriam em sua totalidade dominadas pela noção de que a liberdade seria um atributo da vontade e do pensamento, muito mais do que da ação .
Para Hannah, nenhuma pessoa pretende que as ações sejam tão livres quanto as opiniões. Isso inclui, segundo menciona, entre os dogmas fundamentais do liberalismo, o qual teria colaborado para a eliminação da noção de liberdade no âmbito político.
A autora entende que dizer que a liberdade é a raison d”etre da política não passaria de um truísmo. Para a autora a coragem seria uma das virtudes políticas cardeais, embora devessemos ser os primeiros a condenar a coragem como tolo e mesmo perverso menosprezo pela vida e seus interesses .
A coragem, acredita a autora, não recompensaria nosso senso individual de vitalidade, mas seria demandada pela própria natureza do círculo público.
A coragem na visão de Hannah seria indispensável porque em política , não a vida , mas sim o mundo estaria em jogo.
Hannah entende que a nossa tradição filosófica sustentaria quase unanimemente que a liberdade começa onde os homens deixaram o âmbito da vida política, habituado pela maioria, e que a liberdade não seria experimentada em associação com outras pessoas, mas sim no relacionamento com o próprio eu , na forma que desde Sócrates chamaríamos de pensamento, seja em um conflito dentro de si mesmo , no antagonismo interior entre o que quereria fazer e o que faço. E que segundo argumenta, cuja cruel dialética desvelou primeiro em Paulo e depois a Agostinho os equívocos e a impotência do coração humano.
Acentua um ponto importante a partir do qual o conceito de liberdade não teve relação com a política, segundo Paulo, que este conceito de liberdade foi desvencilhado do sentido da política e que pôde penetrar na história da Filosofia. Liberdade e livre arbítrio se tornariam sinônimos.
Hannah estabelecesse que a solidão agostiniana da acesa contenda dentro da própria alma seria absolutamente desconhecida , pois a luta entre a razão e a paixão , entre o entendimento e o thimós seria um conflito no interior da própria vontade.
Segundo Hannah, os dois em um da solidão que poria em movimento o processo do pensamento teria efeito exatamente oposto na vontade, paralisando-a e encerrando-a dentro de si mesma, sendo o querer solitário sempre o velle e nolle , querer e não querer ao mesmo tempo.
Para Hannah, mais tipicamente e mais relevante seria a convicção de que paixão poderia chegar a razão dos homens, mas , uma vez que a razão tenha conseguido se fazer ouvir, não haveria paixão que impeça o homem de fazer aquilo que ele sabe que é certo.
Vontade, força de vontade e vontade de poder, segundo a autora, seriam noções quase identicas, sendo a sede de poder a faculdade da vontade na qual ela é vivenciada e conhecida pelo homem no seu relacionamento consigo mesmo.
Segundo Hannah somente quando o quero e o posso coincidem é que a liberdade se consuma.
Hannah enfatiza que no reflorescimento do pensamento político que acompanhou a ascensão da época moderna, poderíamos distinguir entre os pensadores que poderiam ser chamados de pais da ciência política, por terem obtido inspiração das recentes descobertas das ciências naturais, sendo o seu maior representante o filósofo Hobbes, que voltaram ao pensamento político da antiguidade, onde a separação entre direito e estado, ou entre religião e política, deram origem ao âmbito político, tal como não se via desde a queda do Império Romano.
Para Hannah, o representante deste secularismo político seria Montesquieu, que teve profunda consciência do caráter inadequado do conceito de liberdade dos cristãos e dos filósofos para fins políticos. Teria Montesquieu distinguido expressamente a liberdade política da filosófica, e a diferença consistiria em que a filosofia não exigiria da liberdade mais do que o exercício da vontade, independentemente das circunstâncias e da consecução das metas que a vontade teria estabelecido. A liberdade política, segundo Hannah, ao contrário, consistiria em poder fazer o que se deve querer.
Para Hannah, se um homem tivesse uma vontade, pareceria sempre que existiriam duas vontades presentes no mesmo homem, lutando pelo poder sobre sua mente. Sendo assim, a vontade seria poderosa e impotente, livre e não livre.
Hannah afirmou que os filósofos começaram a mostrar interesse pelo problema da liberdade quando a liberdade não era mais vivenciada no agir e na associação com outros, mas no querer e no relacionamento com o próprio eu , ou seja, quando a liberdade se tornou livre-arbítrio.
Desde então, destaca Hannah, a liberdade tem sido um problema filosófico de primeira plana, e foi aplicada no âmbito político, sendo também um problema político.
A ascendência filosófica da noção de política de liberdade, segundo a autora, se manifestaria claramente nos escritores políticos do século XVIII, quando Thomas Paine insistiria que: “para ser livre é suficiente quere-lo”.
Hannah entendeu que a identificação de liberdade com soberania seria talvez a consequência política mais perniciosa e perigosa da equação filosófica de liberdade com livre arbítrio, pois segundo a autora, conduziria `a negação da liberdade humana., quando se percebe que os homens , façam o que fizerem , jamais serão soberanos.
Nos ensina Hannah , que em latim, ser livre e iniciar também guardam conexão entre si , embora de maneira diversa. A liberdade romana seria, para Hannah, um legado transmitido pelos fundadores de Roma ao povo romano, sendo sua liberdade ligada ao início do que seus antepassados haviam estabelecido ao fundar a cidade , e cujos negócios os descendentes tinham que gerir , e cujas consequencias precisavam arcar e cujos fundamentos cumpria “engrandecer”.
Ao falar de Agostinho, Hannah entende que não encontramos em Agostinho apenas a discussão de liberdade como Liberum arbitrium , embora tal discussão se tornasse decisiva para a tradição , mas também uma noção concebida de modo inteiramente diverso , que surge , em seu único tratado político : De Civitate Dei . Nesta obra, Agostinho falaria das experiências especificamente romanas do que em qualquer outra de suas obras, e a liberdade seria concebida como um caráter de existência humana do mundo, onde ser humano e ser livre seriam a mesma coisa e que Deus teria criado o homem para introduzir no mundo a faculdade de começar: a liberdade.
Para Hannah, a única explicação que podia vir em mente sobre Agostinho seria que além de cristão, Agostinho também era um romano, e que, nessa parte de sua obra, teria formulado a experiência política central da antiguidade romana , ou seja, que a liberdade se tornaria manifesta no ato de fundação. A autora se convence de que tal impressão se alteraria consideravelmente se as palavras de Jesus Cristo fossem tomadas mais a sério em suas implicações filosóficas.
Para Hannah, o que normalmente permaneceria intacto nas épocas de petrificação seria a faculdade da própria liberdade, a pura capacidade de começar, que animaria e inspiraria todas as atividades humanas e que constituiria a fonte oculta de todas as coisas grandes e belas.
Finaliza Hannah, acentuando que a diferença entre as infinitas probabilidades sobre as quais se baseia a realidade de nossa vida terrena e o caráter miraculoso inerente aos eventos que estabelecem a realidade histórica estaria na dimensão humana, que seriam os autores dos milagres, que por terem recebido o dúplice dom da liberdade e da ação, poderiam estabelecer uma realidade que lhes pertencem de direito.