Um Pouco de mim...

Sou procuradora municipal, mestre e doutoranda.
Professora universitária , nas disciplinas de ética , direitos humanos: infância e juventude e direito indígena, direito constitucional e direito administrativo. Na pós (ADESG) lecionei Teoria do Estado .

Atuei como Conselheira na Ordem dos Advogados do Brasil , no período de 1995 a 2001, atuei como criadora e presidente da Comissão da Advocacia Pública, como membro da Comissão de Seleção e Prerrogativas, membro da Comissão de Ensino Jurídico e como membro da Comissão da Mulher Advogada todos da OAB/MS.

Sou mestre e doutoranda pela UNIMES.
Publiquei meu livro, sob o título : Os princípios constitucionais dos índios e o direito à diferença, face ao princípio da Dignidade da Pessoa Humana, pela Editora Almedina, Coimbra, Portugal.
Atuo como Palestrante em Direitos Humanos .
Meu maior qualificativo na vida é ser mãe do Nícolas .

quinta-feira, 14 de outubro de 2010

2. O Direito à Diferença e o Princípio da Igualdade

Acredito que o mais importante, quando pensamos em direito à diferença e o Princípio da Igualdade é a frase lapidar, simples e monumental: "Somos iguais, Somos diferentes."

Esta frase vem mostrar que devemos respeitar as diferenças, procurando igualizar e tentar harmonizar as gritantes desigualdades perpetradas no mundo, dada a diversidade de raça, cor, sexo, idioma, religião, posição econômica, política, ou das minorias excluídas do processo social, intelectual, e de toda ordem.

Esta frase foi sintetizada como slogan da Pastoral da migração, como a esperança no cumprimento do artigo segundo da Declaração dos Direitos Humanos de 1948.

Temos no artigo 1º da Declaração da Virgínia um sentimento de igualdade que também sintetiza o nosso pensamento, abaixo transcrito:


"Todos os seres humanos são, pela sua natureza, igualmente livres e independentes, e possuem certos direitos inatos, dos quais, ao entrarem no estado de sociedade, não podem, por nenhum tipo de pacto , privar ou despojar sua posteridade; nomeadamente, a fruição da vida e da liberdade, com os meios de adquirir a propriedade de bens, bem como de procurar e obter a liberdade". (in Declaração da Virgínia , em 16 de junho de 1776, artigo I)


Na visão do mestre Fábio Konder Komparato , este foi o reconhecimento solene de que todos os homens são igualmente vocacionados, pela sua própria natureza, ao aperfeiçoamento constante de si mesmos. E que a busca da felicidade, inserida na Declaração de Independência dos Estados Unidos, apenas duas semanas depois, traduziria a razão de ser desses direitos inerentes à condição humana.

O coroamento desses ideais foi mais uma vez confirmado com o tríade axioma francês de 1789: Liberdade, Igualdade e Fraternidade, onde em seu artigo primeiro da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão proclama : "Os homens nascem e permanecem livres e iguais em direitos."

Temos ainda os Pactos Internacionais de Direitos Humanos de 1966, em seus artigos 26 e 27, que prescrevem :


"Art 26: Todas as pessoas são iguais perante a lei e têm direito, sem discriminação alguma, a igual proteção da lei. A este respeito , a lei deverá proibir qualquer forma de discriminação e garantir a todas as pessoas proteção igual e eficaz contra qualquer discriminação e garantir a todas as pessoas proteção igual e eficaz contra qualquer discriminação por motivo de raça, cor, sexo, língua , religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, situação econômica, nascimento ou qualquer outra situação.
Art 27: Nos Estados em que haja minorias étnicas, religiosas ou lingüísticas, as pessoas pertencentes a essas minorias não poderão ser privadas do direito de Ter, conjuntamente com outros membros de seu grupo, sua própria vida cultural, de professar e praticar sua própria religião e usar sua própria língua." (g.n.).


Os artigos supra tratam de minorias e os artigos devem ser entendidos conjuntamente, salientando toda forma de discriminação ou de exclusão, baseadas nas diferenças, quer seja de raça, cor, sexo, ou de qualquer ordem.

O artigo 26 prevê o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, independente de quaisquer diferenças de origem, nacional ou social.

Já o artigo 27, na definição de Komparato , implicaria no direito à diferença, ou seja, no reconhecimento da própria identidade cultural.

Pela evolução histórica dos Direitos Humanos, observamos que, incrivelmente, até hoje, não sabemos garantir o Princípio da Igualdade. Na verdade, o compromisso com a Igualdade deve sempre ser fortalecido, se pensarmos que somos iguais pela igualdade fundante do nosso ser de pessoas humanas e que, ser pessoa é a raiz de todos os direitos humanos que se possam reivindicar e reconhecer. Nessas primorosas palavras de Dom Pedro Casaldáliga , devemos buscar todo o nosso esforço e pensamento na busca deste ideal.

Contudo, a igualdade e o seu ideário tem sido constantemente relativizado, principalmente, na questão das minorias e, especialmente, nas minorias indígenas, cujo etnocídio vem causando o extermínio e o desmantelamento da nossa própria história.

A nossa matriz única de seres humanos deveria pertencer por natureza a todos, indistintamente, fundamentando e possibilitando todos os direitos civis, sociais, culturais. Os direitos humanos universais, este "dever ser" em que os direitos indígenas estão incluídos não estão sendo acolhidos pelo Estado em todos esses anos, principalmente quanto à sua diversidade étnico-cultural e à auto-organização.

A constante e desastrosa intenção integracionista, da absorção da cultura indígena pela dita civilizada, tanto no Brasil quanto na América Latina, foi o caos e vem levando à desintegração cultural e social dos povos indígenas.

Falar da igualdade , na verdade , é falar de Justiça, na limitação da arbitrariedade, do excesso e da opressão, que devemos evitar.

Na esteira de Bobbio , temos que os dois valores da liberdade e igualdade remeteriam um ao outro no pensamento político e na história. Tendo ambos o seu enraizamento na consideração do homem como pessoa. Logo, ambos dentro do conceito de pessoa humana.

A dicotomia entre os dois conceitos seria que: a liberdade indicaria um estado, ao passo que a igualdade significaria uma relação.

Assim, como define Bobbio, o homem como pessoa deve ser enquanto indivíduo em sua singularidade, livre; enquanto ser social, deve estar com os demais indivíduos em relação de igualdade.

Contudo, sabemos que sociedade de livres e iguais seria um sonho bem distante e hipotético, apenas desejado.

Poderia existir uma sociedade na qual todo homem fosse livre na medida em que obedecesse apenas aos seus desejos, numa sociedade em que cada um e todos desfrutariam da liberdade total. Tendo e reconhecendo a igualdade na liberdade. Ou poderíamos supor, segundo Bobbio, numa sociedade livre, mas não de iguais nas respectivas esferas de liberdade, e ainda de iguais mas não livres, ou finalmente, de indivíduos desiguais na liberdade e desiguais na escravidão.

Os indivíduos precisam dos valores da liberdade e também da igualdade, como fundantes da democracia. Infelizmente, o Estado, o poder público e os poderes instituídos, como também a sociedade não conseguiram a harmonização desses ideais.

Em sede deste tema, devemos lembrar, que o princípio da igualdade interdita tratamento desuniforme às pessoas. Por isso a Lei, residiria, exata e precisamente, em dispensar tratamentos desiguais. As normas legais, sob seu enfoque, nada mais fazem que discriminar situações, à moda que as pessoas compreendidas em umas ou em outros vêm a ser colhidas por regimes diferentes. Logo, a algumas seriam deferidos determinados direitos e obrigações que não existem a outras, por abrigadas em diversas categorias, reguladas, por diferente plexo de obrigações e direitos .

O que é importante observar é que a Constituição Federal, propositadamente acatou a igualdade na diferença, e soube preservar a cultura e a autodeterminação dos povos indígenas, como nunca nenhuma Constituição houvera feito, sem contudo ser preciso reivindicar a criação de um Estado nacional ou de um Estado soberano próprio. Reconhecer-se que a autodeterminação , seria simplesmente o direito de os povos disporem sobre si mesmos, como dito no Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais de 1966, consagrando duas vertentes de raciocínio, uma quando, a partir das organizações sociais estatais, significaria o povo do Estado, apesar das diferenças, como um só.

O que ocorreu, foi que à criação do Estado associou-se a idéia de nação, reconhecendo-se apenas uma cultura nacional, na igualdade de direitos como um todo, sem levar em conta as diferenças entre raças e etnias diferentes, que deveriam conviver num país.

A herança do “monismo jurídico estatal”, que atribuiu o Monopólio do Estado, na produção de normas jurídicas, fez com que o Estado, amparado pelo princípio da soberania nacional, não aceitasse a convivência, no mesmo território, de sistemas jurídicos diferentes, obrigando as populações indígenas ao jugo das leis do Estado, desrespeitando a diversidade cultural, social, o que, ao longo da história, não demonstrou ser benéfico .

A efetivação do preceito constitucional da igualdade parece tão longe, como a efetivação dos direitos individuais, colocados nas declarações de direitos humanos como pacto social. Talvez a solução fosse a adoção de alguma medida coercitiva, ou da efetivação de medidas públicas e ainda de um Poder Judiciário mais forte, como sendo o poder que dá eficácia à aplicação dos direitos humanos, como forma de reprimir qualquer forma de discriminação, respeitando-se, finalmente, o princípio da Igualdade.

Também parece difícil querermos ao mesmo tempo a garantia do direito à auto-organização e à diversidade de culturas, diante de um Estado que só aceita uma cultura nacional e prega, indistintamente, a igualdade de direito para todos, apesar das diferenças. A justa medida, neste caso, é quase irreal, como é falar-se na efetividade do Princípio da Igualdade.

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